Armadilhas

Publicado: 21/11/2007 em Poesia

No mundo há muitas armadilhas
e o que é armadilha pode ser refúgio
e o que é refúgio pode ser armadilha

Tua janela por exemplo
aberta para o céu
e uma estrela a te dizer que o homem é nada

ou a manhã espumando na praia
a bater antes de Cabral, antes de Tróia
(há quatro séculos Tomás Bequimão
tomou a cidade, criou uma milícia popular
e depois foi traído, preso, enforcado)

No mundo há muitas armadilhas
e muitas bocas a te dizer
que a vida é pouca
que a vida é louca

E por que não a Bomba? te perguntam.
Por que não a Bomba para acabar com tudo, já
que a vida é louca?

Contudo, olhas o teu filho, o bichinho
que não sabe
que afoito se entranha à vida e quer
a vida e busca o sol, a bola,
fascinado vê o avião e indaga
e indaga

A vida é pouca
a vida é louca
mas não há senão ela.

E não te mataste, essa é a verdade.
Estás preso à vida como numa jaula.
Estamos todos presos
nesta jaula que Gagárin foi o primeiro a ver
de fora e nos dizer: é azul.

E já o sabíamos, tanto
que não te mataste e não vais
te matar e agüentarás até o fim.

O certo é que nesta jaula há os que têm
e os que não têm há os que têm tanto que
sozinhos poderiam alimentar a cidade
e os que não têm nem para o almoço de hoje

A estrela mente
o mar sofisma. De fato, o homem está
preso à vida e precisa viver o homem
tem fome e precisa comer
o homem tem filhos
e precisa criá-los

Há muitas armadilhas no mundo e é preciso quebrá-las.

[Ferreira Gullar]

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